Pedro Biondi experimenta a narrativa como se passeasse por histórias fragmentadas, por pedaços de pensamentos de gentes quaisquer. Pesca aqui e ali o que parecem ser fluxos de pensamentos. Nem sempre há uma história clara e coesa. Ele cita o cartunista Laerte para explicar o porquê: “Ele fala sobre desenhar, mas pode se aplicar ao texto escrito. O assunto, o motivo muitas vezes acaba puxando a forma”. É, portanto, em forma de mosaicos que está construído Cheiro de Leoa.
O primeiro livro de Biondi pode ser descrito como uma pequenina colcha de retalhos. É prosa em diversos estilos, um pouco de poesia e um conjunto de minúsculas brincadeiras com a linguagem. Primeiro os estilos. Crônica ou conto definem os textos mais longos. Em alguns Biondi experimenta coragem e linguagem, caso do texto que dá título ao livro. Em “Cheiro de leoa”, o leitor é jogado dentro de uma caminhonete de savana em companhia do personagem cuja sanidade não se sabe ao certo por onde anda. Desfilam bichos – zebras, na verdade, e umas poucas leoas – e pensamentos sobre situações sensoriais. Há menos história do que experiência nessas sete páginas, mas a coisa muda à medida que se avança na leitura.
“Esses cosmos, nossoscosmos” vai por outro caminho, mais organizado. Dois sujeitos saem do cinema e entabulam uma conversa um tanto sem sentido, mas uma conversa. Mais adiante, “Mau” retoma o livre fluxo de consciência que
caracteriza “Cheiro de leoa”. O autor parece caminhar pela rua como se fosse invisível e joga o leitor em situações rápidas e desconectadas. Ali, vê-se o quanto Guimarães Rosa foi importante para Biondi. “Na faculdade, era o que eu mais lia”, revela. “Ele teve grande influência na brincadeira com a linguagem porque faz uma arqueologia da língua portuguesa. Nos meus textos, essas brincadeiras com a linguagem, além de me divertir e, espero, ao leitor, acabam sendo espaço de retrato social e crítica, onde o texto vai mimetizar a maneira de falar de determinado personagem.” É mais ou menos o que faz Wilson Bueno na não-apresentação da contracapa. Já que linguagem aqui tem total relevância, melhor orquestrar com ela. É quase um miniconto o texto do curitibano. Uma resposta à leoa do título do livro.
Entre cada texto, Biondi intercalou pequenas frases, quase ditados. Ou microcontos. São como iscas para atiçar a curiosidade do leitor e fisgá-lo em direção ao próximo conto. O autor chama de tira-gostos. São também indícios de um desejo. Biondi anda querendo explorar o universo do miniconto. O formato de texto reduzido que perpassa Cheiro de Leoa, o autor admite, vem da fragmentação do mundo contemporâneo. “É a maneira como recebemos as informações”, explica. Ou então, no entendimento de Marcelino Freire na orelha do livro: “É só puxar pela respiração”.
Biondi, 31 anos, mora em Brasília há dois. Nasceu e cresceu em São Paulo, e obviamente estranhou a composição do Plano Piloto. O fato de ter nascido na maior metrópole da América do Sul não fez dele um autor especialmente marcado por temáticas urbanas, como boa parte de sua geração. “Sempre gostei de colocar o pé no chão”, brinca, lembrando dos finais de semana num sítio da família. Nos textos, a postura contemplativa se equilibra com reflexões sobre a cidade e suas agruras. Há espaço para zebras e leoas, mas também para diálogos entre traficantes em “Morro x asfalto” e até para um bem-humorado manifesto em favor dos sonhos. “Sonhadores do mundo, uni-vos (o Manifesto Sonhadorista)” não preenche uma página, mas convoca todos a “fazer xixi nas estruturas do Sistemex, levantando a perninha direita”.
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