ENTRE LEOAS E LENTILHAS

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Mau

11 de julho de 2018
Sujeito mau, rapaz.     Mau…     Mau reto – mau noventa graus. Quarenta graus de maldade. Nove na escala hitler. Sangue de doninha! Torcer o pescoço da galinha só pra ver estrebuchar aérea, feito foguete que atravessava o corredor e dava com a parede e com o chão. Descalço, nesses domingos era mau útil. Onça pintada, vinho tinto; onça parda, vinho branco. A da preta também vai com tinto, ensinou pra ninhada, porque ela é só uma pintada que o breu montou por cima. Deixou um escapar vivo só pro pobre engordar medo. Encontrava na rua, Bu!, o outro se cagava. Virou zumbi em mangas de olheira, o branco amarelo da lua grudou, desconfiava do outro lado de esquinas, árvores e prateleiras de supermercado. Virou um fulano, um menos. Trezentos e sessenta graus de maldade, para que até onde a vista alcance. Mau difuso, parafernal, indeciso de qual maldeza. Ali com o Inominável deve dar coluna do meio. Pai quero ser parasito. Olhos cinzentos e coração com eles rimando. Predileção é moça-donzela, dizendo-lhes as todas flores desperta-as iaras, supliquem como suplicarem a desonra só bota a cabecinha, a mais recente erra por aí despida de branco rezando em língua noturna bolinando o desvario noiva da madrugada. Durissus, terrificus, horrendus – qualificavam-no, teremendo, os tupis de nossa costa. O padre romanizou – anhangueté, panemeté, depadredefílidespíritissántiááámém. Siris. Tão bom vê-los na panela, morrendo vivos. Dar nome a todos antes de riscar o fogo. Chupt com as casquinhas e patinhas dos cozidos na frente dos candidatos no balde, os olhos crustáceos arregalados em seus pedúnculos já adivinhando macabra dança na janta. Escolhe uns dessortudos pra sobreviver e a estes dá de volta o mar, avisados de recaptura em incerta data garantida. No reencontro, salmos sobre a gula, que você se vendeu por uma cara de sardinha, o arrependimento artrópodo de nada vai sensibilizar o justiceiro: a natureza é sempre alguma justiça, é justiças diversas, de praxe as mais surdas ou mais curtas: balde e panela de novo, pra mim não tem música que as patas e pinças aprendendo as paredes de alumínio. Mau e repassando a tradição pros seus juniores. Vírus. Talking bout a baaaaad guy, if you know what i mean – a homenagem enunciada na voz de lobo velho do bluesman, ai, vargas, só você mesmo pra inventar de contratar o bigode torto pra animar o casamento, as crianças apanharam na letra pela primeira vez a concreta e vaga maldade, os ouvidos grudando no que querem e não querem ouvir, os pais apertam o uísque e adivinham longa noite. Há quem garanta que já vivia em Cananéia, branco feito um ovo e os cabelos vermelhos estufando e encolhendo conforme subia as picadas, branco a ponto de didático, pois se podia estudar a maldade ali interna, no trato todo. A lenda completa: com o sol inclemente destas terras brasilis, virava uma enorme lagosta, a mais magra, a mais cruel e mais silvestre. Feitor não tinha igual pra cima dos gentios
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Reinaldo

10 de julho de 2018
Driblar? Não é bem a palavra. Ele dá uns cortes que fazem o cara procurar a bola nas placas, pedala como quem caça um coelho na cartola, se movimenta em campo como se visse tudo do alto, de helicóptero, ou desenhado numa lousa. Aplica um lençol que é quase uma cortesia, de tão plástico. Tão plástico que o cara nem fica com raiva, sabe? Dá um sorriso humilhado cordial
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Uberaba 15 minutos

7 de julho de 2018
No banheiro encontrou o tiro já encaixado, azulejo e tudo. A testa era sua. O frio era seu, terceiro olho. Espelho rachado com terror. A flor do buraco como se tudo escorresse de dentro para fora, tudo o que ele fôra e seria, num Big Bang particular de irrepetíveis luzes. Em penumbra, tentasse adivinhar os corpos de mulher no morno dali. Corpos que rareavam, apesar de muitas. O escuro. Mulheres que arareavam sobre o gordo que roncava. O Cometa sempre assim meio promíscuo, anfíbio, inspiros e expiros sem dono. Vagas poltronas. Num berro sem testemunha, achou rumo do terreno baldio, enquanto os suvenirs faziam dominó em seu encalço, chifres/chicles/santas/havaianas/doces/lobos/caras/couros/chaveiros/isqueiros/morteiros/padres/catedrais/pães de açúcar/tiros de sal/ovos/cristais/chapéus/bancas/trocos/motoristas/mortos e o mico do posto que arrebentou a corrente e veio arreganhado pra cima. Atleta de coliseu, esquálido gladiador, feijão de terra rachada, marido da precariedade, músculo do ódio, marionete sem devir, aposta de uma nação, o filho da puta, faca de lamber garganta, irara no galinheiro do caos, orgulho do padrasto, herói varado de cãibras, fome que preenche tudo, pingo no infinito branco, fruto do sistema, erro de cálculo, vivente que não desistiria de ser, saudade da mãe e das tias, pular as bocas-de-lobo bocas-de-sapo bocas-de-leão e a grama de fogo. Sem parar, um lugar pra nunca mais ter nome.